Desafios da inteligência artificial: impactos e como superá-los

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A crescente popularização da inteligência artificial (IA) tem despertado um interesse cada vez maior das empresas em explorar essa tecnologia e suas aplicações.

Nesse cenário, também surgem diversos desafios, desde a compreensão do seu potencial até a identificação das melhores formas de integração e implementação prática.

A capacitação de profissionais é outro ponto-chave quando se fala do uso e desenvolvimento de produtos e serviços a partir da tecnologia, e deve ser um divisor de águas nos próximos anos.

Para traçar um panorama sobre os principais desafios da inteligência artificial para os negócios, conversamos com Rodrigo Helcer, conselheiro em IA & shareholder da Blip.

O especialista deu dicas de como avalia a evolução da tecnologia e quais devem ser os aspectos priorizados por empresas ao aplicá-la. Confira a seguir!

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3 desafios da inteligência artificial para os negócios

Helcer advoga da ideia de que existem três grandes desafios de uso da inteligência artificial para os negócios na atualidade. O primeiro obstáculo prático é aprender e conhecer o que ele chama de “caixa de ferramentas”, forma como encara a IA. Para o especialista, negócios em estágios diferentes possuem diversas formas de usar a tecnologia e o que ela pode fazer em prol de suas necessidades.

O segundo desafio a ser vencido é não partir do recurso em busca de um problema. Pelo contrário: é essencial entender as questões que existem em seu ambiente e mapear maneiras de como a IA pode apoiar na resolução desses conflitos.

ilustração de mão tocando em pontos luminosos interconectados

Para Helcer, é preciso olhar para a IA como uma ferramenta e entender como ela pode contribuir com as necessidades da companhia. (Fonte: Pexels/Reprodução)

Para ele, a IA é um ingrediente que resolve problemas de forma diferente das soluções encontradas para sanar outras questões no passado. Dessa forma, é preciso escolher o que deve ser arrumado, para além daquilo que pode ser impulsionado pela tecnologia.

Por fim, mas não menos importante, o terceiro desafio está relacionado ao ato de refletir sobre o que precisa ser desenvolvido dentro da organização e o que pode ser implementado por meio de alianças ou aquisições. Tudo isso diz respeito à construção de ativos proprietários versus a aceleração por recursos que já existem no mercado, em termos de IA.

IA: um copiloto sofisticado

Dessa forma, uma maneira de analisar oportunidades em IA pode passar pela análise de três camadas diferentes:

  1. como uma ferramenta a ser usada pelo time, visando ganhos de produtividade e/ou redução de custos;
  2. como ingrediente no desenvolvimento de novas ofertas de produtos e serviços, visando geração de novas receitas, retenção de clientes, blindagem de mercado e/ou aprimoramento de imagem;
  3. como elemento na tese de M&A, em novos negócios e investimentos, visando teses defensivas, ofensivas ou "acqui-hires" (contratação de empresas menores pelos times que já possuem) para acelerar a camada 2, de produtos e serviços.

Helcer considera ser muito importante, sempre que possível, discutir qualquer aplicação da tecnologia a partir das três camadas do terceiro desafio da inteligência artificial para os negócios. “O que construo, me alio ou compro? Onde ela me traz valor como ferramenta ou como negócio fora de casa?”, sinaliza.

O especialista pontua que estas são discussões importantes para definir um norte do valor que IA pode trazer ao negócio. E, principalmente, quando acontecem entre empreendedores, precisam ter o equilíbrio certo entre a teoria — importante para definir a visão e priorizar as principais apostas — e a pragmaticidade, dado que será na prática que o real valor e aprendizados virão.

Adaptação e capacitação para uso da IA

Sobre a pergunta tipica "a IA substituirá empregos?", Helcer traz algumas provocações. "Primeiro é importante termos em mente que a IA não substitui empregos, mas tarefas.”

A questão, em sua visão, está em empregos de escopo restrito, de tarefas únicas ou monótonas, que possam ser delegadas às máquinas.

E nessa crença de que a tecnologia não irá substituir empregos, e sim tarefas e “skills”, o especialista nos alerta que precisaremos, como profissionais, passar por um processo de re/upskilling. Ele observa que termos um enorme desafio em educação [em termos de uso da IA]. "O ser humano historicamente se adapta às tecnologias. A pergunta aqui é em quanto tempo haverá essa adaptação? É o tamanho desta ponte entre o mercado sem IA e com IA”, ressalta.

O empreendedor relembra que a IA existe em sua concepção desde 1950, com berço no MIT. Todavia, o que se percebe como realmente disruptiva na atualidade, por muitos considerado tecnologia de propósito geral, é a IA generativa.

ilustração de cérebro em uma bolha em referência à inteligência artificial

A inteligência artificial generativa pode ser considerada um marco da nova geração da IA. (Fonte: Pexels/Reprodução)

Helcer explica que, por muitos anos, a IA foi massivamente usada para resolver problemas de cálculos, a fim de gerar previsões, alertas e otimizações. Nos últimos 10 anos iniciou-se uma corrida pela exploração e uso de dados não estruturados (dados no formato de texto, imagens, vídeos e áudio). Foi nessa área que ele e a STILINGUE, empresa que fundou, se especializaram. Nesse período, empreender em IA no Brasil era “mato alto”. Complexo, custoso, raro.

Na virada de 2022 para 2023 nasce uma nova geração de IA. A IA generativa sai dos labs (em estudo desde 2016) e causa um impacto global na figura do ChatGPT, desenvolvido pela OpenAI. Foi nesse momento que o modelo bom em linguagem, visão e sonoridade virou simples, acessível e fácil de adoção.

“A IA ficou mais poderosa e acessível em escrever, ler, resumir, criar, desenhar, pintar, escutar e a falar. E é nessa essência que a IA generativa está gerando tanto impacto”, reforça.

No entanto, apesar dos avanços, ainda há muito o que ser avaliado. Tanto em termos de entrega de resultado por parte das ferramentas pautadas em IA quanto dos humanos que as utilizam e educam. “O ano passado foi o ano 1, de descobertas e experimentos. Este ano começa de fato a trazer os casos reais e práticos”, avalia o empresário.

Helcer explica que, em termos gerais e a partir dos projetos que desenvolveu nos últimos anos com IA, um processo de desenvolvimento de um novo produto em software leva em média de 9 a 18 meses para chegar ao mercado. “É ainda muito pouco tempo para sentirmos a potência dessa nova tecnologia em termos de novas funcionalidades, produtos, negócios e resultados práticos. Estamos engatinhando em uma transformação mais forte que a internet e mobile.”

ilustração de mão humana tocando em mão robótica

Helcer acredita que a IA ainda está na fase da experimentação. Os resultados sobre seu potencial ainda serão vistos nos próximos anos. (Fonte: Unsplash/Reprodução)

Riscos de excesso de confiança na IA

Dessa forma, o especialista observa que existem um risco importante de excesso de confiança na tecnologia, a ponto de delegar decisões-chave de negócio e de automação de processos críticos para modelos que não tenham ainda maturidade para tanto.

“Estamos num momento de entendê-la como um copiloto, pensando automações que iniciam com algum tipo de supervisão até se provarem estáveis e confiáveis. A IA generativa atual tem uma base probabilística, e não determinística. Lida com probabilidades e não resultados exatos. E por essa característica fundamental é recomendável que caminhemos com foco em qualidade versus velocidade de adoção”, defende Helcer.

Importância da IA na transformação digital das organizações 

A IA tem assumido um papel fundamental para evoluir a forma como as pessoas e as próprias organizações agem na sociedade. Na visão de Helcer, isso ocorre no modo como a tecnologia é aplicada no desenvolvimento de produtos, serviços e features e, eventualmente, em novos negócios.

Por exemplo, uma das aplicações práticas possíveis é a de realizar brainstorming, trocando ideias com a própria IA antes de sedimentar qualquer conceito. Justamente para entender de que forma a tecnologia pode agregar valor em suas sugestões.

Se antes a tecnologia era de difícil manuseio, e precisava de uma especialização prévia para ser utilizada, hoje o acesso é democratizado, de fácil uso e de descentralização no que compete a necessidade de habilidades prévias para entender sua mecânica.

Nesse ensejo, o que faz sentido é o conceito de uma Inteligência Aumentada, e não necessariamente artificial. Isso porque o papel da IA, não só no processo de transformação digital das organizações como da própria sociedade, é o de potencializar a inteligência humana.

homem olhando para computador com ChatGPT

Na visão de Helcer, o grande impacto da inteligência artificial está na potencialização da inteligência humana. (Fonte: Pexels/Reprodução)

Em relação à tecnologia pura e simples, o que se vive hoje é um momento de IA first. Há uma disputa de mercado sobre um novo sistema operacional baseado em conversas, cujo uso deve ser massificado dentro dos próximos anos.

Assim, a interface conversacional empregada majoritariamente no futuro na interação entre usuário e equipamento tende a priorizar o uso da IA, o que Helcer chama de contato inteligente.

Da mesma forma como aconteceu no passado, em que diferentes companhias desenvolveram seus computadores e sistemas operacionais, ou mesmo quando lançaram diferentes navegadores para utilizar a internet. Agora, a tendência é que a IA também seja priorizada no contato entre humanos e tecnologia, em diferentes esferas.

Habilidades científicas e práticas

Segundo Helcer, precisamos investir mais na construção de “pontes” entre quem põe a mão na massa e quem desenvolve teorias e ciência. Ele avalia que as corporações estão distantes da academia, berço das principais inovações tecnológicas. “Mas isso não é só por parte das empresas, porque a academia [também está] longe das empresas. Diferente dos EUA, onde os dois mundos são mais próximos.”

O especialista vê que, de modo geral, a academia tem os talentos necessários que desejam criar e praticar o que teorizam. Entre os grupos que despontam no Brasil em termos de desenvolvimento de ciência e IA está o Centro de Excelência em Inteligência Artificial (CEIA) da Universidade Federal de Goiás (UFG). A entidade foi citada por Helcer como exemplo de iniciativa que une os conhecimentos gerados nos bancos acadêmicos com o mercado.

Ele reforça que existe talento para desenvolver IA em qualquer região do Brasil. Como exemplo, o especialista retoma o case da STILINGUE, criada em Ouro Preto, Minas Gerais. “É uma questão de vontade, curiosidade e de treinamento.”

A transparência no uso da IA

Uma questão emergente para empresas adotando IA é quanto à transparência dada para resultados obtidos com emprego de IA. Ele cita que há casos em que corporações, sem seguir qualquer política e código de conduta sobre IA, colocam a tecnologia a serviço do cliente sem transparência ou sem indicar que a utilizam. E isso tem gerado um número crescente de polêmicas.

Como exemplo, Helcer citou o caso de agências de comunicação que empregam IA para criar peças de publicidade e textos. “Hoje, nos EUA, existem agências que desenharam códigos de conduta e ética internos sobre o que pode ou não pode ser feito com IA e quando é preciso dar transparência sobre o que é feito.”

Para além da elaboração de documentos como esse, Helcer orienta ser prudente treinar funcionários. Desse modo, eles podem compreender de que forma usar ou não a IA em seus processos, independentemente do segmento de atuação.

mão robótica em fundo branco
Para o especialista, é preciso gerar pontes com a academia e buscar talentos para fora do eixo Rio-São Paulo, no que diz respeito ao desenvolvimento e uso competente da IA pelas corporações. (Fonte: Pexels/Reprodução)

Uma nova web, conversacional

Uma tendência importante, que caminha de forma simultânea com os novos modelos de IA generativa, na visão de Helcer, diz respeito ao nascimento da web conversacional. Para ele, quando o tema é ChatGPT, o mercado foca muito no GPT e nos modelos de IA e ainda fala pouco sobre o "chat" — o formato de interação por meio de conversas.

Helcer pontua que a internet de "www's" com menus, clicks e rolagens, buscadores com resultados de "links azuis" deve perder gradativamente espaço para uma nova internet, AI first e com conversas no centro da interação.

"Para que eu preciso entrar em um www., clicar, rolar e clicar, ou baixar um app, e usar o dedo em vários toques, para encontrar o que busco se poderia simplesmente perguntar para uma IA e ela me trazer objetivamente a resposta?", sinaliza.

Dentre os buscadores, ponto de partida para boa parte do que pesquisamos hoje na "internet atual", já vemos essa discussão aquecida. O Bing, da Microsoft, traz, além do botão de busca, um dedicado à conversação via chatbot. O Google já divulga o recurso "Overviews", que praticamente constrói uma nova página web como resposta a cada pergunta feita na "barra de busca".

Outro exemplo mencionado é a startup Perplexity, que oferece um produto que diz substituir os "search engines" (mecanismos de busca) por um "answer engine" (mecanismo de resposta). Repare: tudo via experiências conversacionais, tendo as conversas como o ponto de pergunta, resposta, entrega de conteúdo multimodal (texto, imagem e áudio).

No Brasil, Helcer acredita que esta nova web conversacional deve nascer principalmente no WhatsApp, aplicativo utilizado por 99% dos brasileiros com acesso à internet. Para ele, a tendência é que, de forma exponencial, diversos "aplicativos conversacionais", AI first, surjam no WhatsApp.

AI agents e chatbots

No que diz respeito aos agentes de IA chatbots, a Blip, startup membro da comunidade Cubo Itaú, é uma das principais apostas em IA, já desenvolveu mais de 449 mil recursos desse tipo, e opera com uma tecnologia que estabelece com seu interlocutor uma forma de contato inteligente.

Esse contato é feito no ritmo do usuário, pautando-se na forma como um ser humano fala e unificando as informações. Dessa forma, evitam-se ruídos de comunicação caso o cliente precise fazer um novo contato com a marca.

A empresa, pioneira no uso do ChatGPT, incorpora a inteligência artificial para tornar a comunicação com clientes de forma fluida e intuitiva, além de utilizá-la para monitorar a conversa entre marca e consumidor, facilitando a avaliação e sugestão de pontos de melhoria.

Nesse contexto, um dos recursos inovadores utilizados é o de social listening, que se vale da identificação de termos-chave para avaliar não apenas conversas, mas citações nos principais aplicativos sociais. Desse modo, é possível a partir daí retirar insights valiosos para aplicar na melhoria dos produtos e serviços oferecidos.

IA para vídeo

Outra tendência é a popularização do desenvolvimento de vídeo por meio da IA. É o que provam ferramentas cujo usos estão cada vez mais em alta, como o DALL-E da OpenAI, a Stable Diffusion da Stability AI e o Firefly da Adobe. Assim, caberá às pessoas descrever em texto o que a IA precisará gerar em imagens audiovisuais.

A Runway, organização que cria sistemas pautados em IA para gerar conteúdos criativos, promove um festival anual de filmes de IA com produções experimentais. O evento fornece premiação de US$ 60 mil e posterior exibição dos vencedores em cidades como Nova York e Los Angeles.

Desinformação

Nem toda tendência sobre uso da IA, no entanto, está relacionada a inovações ou benefícios para organizações e pessoas. A tecnologia também pode ser aplicada para gerar desinformação e esse é um ponto que vem sendo olhado com atenção por especialistas. Entre os exemplos está a criação de deepfake.

Saiba mais sobre o entrevistado

Rodrigo Helcer é cofundador da STILINGUE by Blip, uma empresa orgulhosamente brasileira que desde 2014 empreende na vanguarda de inteligência artificial aplicada ao monitoramento de redes sociais. Comprada em 2022 pela Blip, Rodrigo segue como acionista e advisor na empresa. Formado em Administração pela FEA-USP, o executivo atua como mentor e conselheiro de empresas nos temas Inteligência Artificial e Software as a Service (SaaS). É colunista da MIT Sloan Management Review no tema Inteligência Artificial.

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