Na busca por inovação, grandes corporações buscam por se aproximar das startups por meio da chamada open innovation.
A prática de aproximação e intensificação de relacionamento entre corporações e negócios nascentes tem nome: scouting. O termo originário do inglês diz respeito, literalmente, à prática de escotismo.
Aqui, no entanto, scouting pode ser interpretado como uma caça a talentos. Tal como feito pelos hunters de grandes organizações que partem na abordagem e busca por pessoas.
A seguir, entenda mais a fundo sobre o conceito de scouting, quais são as suas principais características e de que forma ele pode ser benéfico para o ambiente corporativo.
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Scouting de startups: o que é
Em contextos considerados disruptivos, como o atual, as corporações passam a buscar formas de se reinventar para permanecerem relevantes e competitivas. Nesse sentido, a prática de scouting pode ser encarada como uma ferramenta vital. Ela serve para identificar e integrar startups inovadoras em seus segmentos de mercado.
Para a liderança das corporações que adotam a prática de scouting, as startups que são colocadas como alvos da sua “caçada” por talentos são vistas em seus nichos de atuação como catalisadores da mudança e da transformação.
E, entendendo que o processo de inovar produtos e serviços pode ser permeado muitas vezes por necessidade de maior sinergia, recursos humanos, bem como financeiros, a parceria com as startups se torna, portanto, um caminho mais produtivo.
Tal afirmação é comprovada por estatísticas que dizem respeito à inovação e a colaboração entre startups e grandes corporações. Mesmo em plena pandemia, entre os meses de maio de 2020 e junho de 2021, estima-se que o número de acordos dessa natureza dobrou de 13.433 para 26.348. Na mesma janela de tempo, o valor de contratos fechados saiu de R$ 800 milhões para R$ 2,2 bilhões, de acordo com dados da plataforma 100 Open Startups divulgados em matéria da CNN Brasil.
Dos campos de futebol para o ambiente corporativo
O sócio-fundador da Innoscience, consultoria de inovação corporativa, e autor do livro Gestão da Inovação na Prática, Maximiliano Carlomagno, escreveu um artigo para o MIT Sloan Management Review Brasil no qual traçou um paralelo entre a prática de scouting dentro e fora dos campos.
No meio futebolístico, por exemplo, a técnica já é conhecida há muito tempo e diz respeito às transações multimilionárias em que jogadores talentosos são prometidos ou têm seu passe comprado por grandes times. E a mesma ideia pode ser transposta para o ambiente corporativo.
O autor acredita que para que a inovação realmente aconteça pela aproximação entre as startups e as corporações, esse segundo agente precisa ter uma postura ativa. Ou seja, precisa partir em busca dos talentos e arcar com recursos para tanto.
Assim sendo, o scouting carece de ser um processo estruturado de identificação, avaliação e atração de startups promissoras. A partir desse laço, os negócios envolvidos poderão promover colaboração mútua e/ou realizar a integração de seus processos.
Principais características da prática de scouting
Dessa forma, para que a prática de scouting seja considerada assertiva e de sucesso, é fundamental que englobe uma série de passos. Entre eles, destacam-se:
Monitorar o ecossistema
Tal como um caçador de talentos em busca de um novo atacante para o seu time, a corporação também precisa estar disposta a monitorar ativamente o ecossistema de startups.
Nesse processo, deverá identificar as que possuem soluções ou tecnologias emergentes relevantes para os objetivos estratégicos da corporação. Somente assim é possível, na sequência, estabelecer conexões significativas que serão usadas para explorar oportunidades de colaboração.
Criar critérios de seleção
Antes de partir para a abordagem direta a uma startup que seja considerada como potencialmente inovadora, é preciso estabelecer critérios de seleção que sejam claros e transparentes a todos os envolvidos.
Somente com esse norte bem definido é mais fácil avaliar as startups desejadas. Contudo, aqui é importante considerar não apenas o potencial de inovação, mas também a viabilidade comercial e a compatibilidade com a cultura organizacional.
Sobre esse último fator, Carlomagno destacou em seu artigo que a falta de consciência sobre o que se quer e para onde se deseja ir pode dificultar o processo, tornando-o moroso. Dessa forma, é prudente que a liderança a frente da corporação e que esteja atuando na prática de scouting defina as áreas de interesse e as relacione com a estratégia do negócio.
Ter mentalidade aberta à colaboração
Antes de colocar o scouting em prática, também se faz necessário realizar uma autoanálise honesta sobre o negócio.
É válido, por exemplo, entender se as lideranças e demais colaboradores estão abertos à colaboração. Nesse sentido, vale identificar se eles estão dispostos a serem eventualmente examinados e julgados por um fator e agentes externos, os quais passarão a fazer parte da sua realidade corporativa.
Isso é crucial para que a prática de scouting seja eficiente, uma vez que tal ferramenta tem o objetivo de promover uma mentalidade aberta à colaboração. Esse fator é viabilizado a partir do reconhecimento de que a inovação surge da intersecção de ideias e de competências complementares.
A prática de scouting envolve a avaliação de potenciais startups que tenham sinergia com o core business da corporação, bem como a prospecção que pode ser ativa ou passiva. (Fonte: Getty Images/Reprodução)
Prospectar
Assim que seja identificada uma startup que tenha sinergia com os produtos e serviços de uma corporação, ou mesmo com as frentes de investimento de um fundo considerando o passo anterior, é chegado o momento da prospecção.
Aqui é válido que a prática de scouting seja orientada para o futuro. Desse modo, a corporação poderá observar as possíveis tendências emergentes e tecnologias disruptivas que já moldam ou irão influenciar o seu mercado.
Logo, ao se associar a um negócio nascente que tenha relação com seu core business, a corporação tende a se beneficiar de vantagens frente a outros concorrentes.
Essa prospecção pode ser feita, na visão de Maximiliano Carlomagno, a partir de algumas frentes:
- busca pública, por meio de um comunicado ao mercado;
- busca privada: atuando diretamente junto às startups.
Tanto uma quanto a outra podem se dar ativamente, a partir dos esforços da própria corporação. Ou, ainda, receptiva, quando ao comunicar abertamente que o negócio está disposto a acolher convites de colaboração, os quais eventualmente podem ser feitos pelas lideranças de startups interessadas.
No entanto, a via que envolve o recebimento passivo de eventuais relações entre startups e corporações tende a ser menos interessante.
A partir de experiências em seu próprio negócio, Carlomagno avaliou que isso ocorre devido à falta de alinhamento com a estratégia da corporação. Sem contar que as startups consideradas mais atraentes em termos de inovação não tendem a “bater na porta” de outras organizações com tanta intensidade.
Priorizar a flexibilidade e a agilidade
Além disso, é fundamental que as corporações que praticam o scouting adotem uma abordagem ágil e adaptável.
Atuando dessa forma, as organizações serão capazes de responder rapidamente às mudanças do ambiente externo e, assim, aproveitar as oportunidades de inovação.
Alimentar uma rede de contatos estratégicos
De forma ativa ou passiva, o fato é que a ferramenta de scouting depende de uma extensa rede de contatos. Seja entre as corporações parceiras, seja dentro do ecossistema de startups.
Esse network deve incluir investidores e comunidades de empreendedores. Ao demonstrar o interesse de estabelecer conexões para fomentar a inovação com outros agentes, a corporação pode elevar suas chances de angariar boas parcerias.
Carlomagno sugeriu em seu artigo para o MIT Sloan Management Review Brasil que as corporações aproveitem iniciativas de hubs para estabelecer contatos e prospectar startups. Entram aqui as aceleradoras e as incubadoras, além do que ele chama de hub de inovação.
Neste último caso é onde se encaixa o Cubo Itaú. A iniciativa, que existe desde 2015, realiza a curadoria de startups que estejam em fase de tração e, não menos importante, que tenham alto potencial de escalabilidade. Dessa forma, acredita-se que elas sejam capazes de impulsionar os negócios e a economia.
O Cubo Itaú congrega uma extensa rede de conexão que envolve empreendedores experientes ligados a cerca de 400 startups, corporações em constante inovação, investidores de mercado e talentos. Entre as subdivisões do hub, estão áreas como agro, construliving, ESG, health, maritime & port e smart mobility.
Benefícios do scouting para grandes corporações
Para além da inovação propriamente dita, a prática de scouting oferece uma série de benefícios considerados tangíveis e intangíveis para as grandes corporações.
Acesso a tecnologias disruptivas
Ao se conectar com startups inovadoras, as corporações podem ter acesso a tecnologias consideradas disruptivas. Além disso, a partir das soluções desenvolvidas por tais negócios, é possível identificar aquelas consideradas de ponta e que podem transformar seus produtos, processos e modelos de negócios.
Estímulo à cultura inovadora
Outra vantagem do scouting é o fomento à colaboração com startups, o que traz uma energia renovada e uma mentalidade empreendedora para dentro da organização.
A partir daí, caso ainda não exista, pode passar a existir dentro do ambiente corporativo práticas de intraempreendedorismo. A modalidade estimula uma cultura de inovação e de experimentação junto aos talentos da casa.
Redução de riscos e custos
Ainda que no momento da prospecção, sobretudo a que considere recursos financeiros como “moeda de troca” em rodadas de investimento, o scouting permite às corporações reduzir os riscos e custos elevados.
Isso acontece porque se entende que o teste de novas ideias e de tecnologias sem um estudo e análise prévias podem ser mais arriscados e custosos. Logo, em um ambiente controlado — como as startups que já estão colocando a mão na massa — o investimento tende a ser reduzido e eficiente.
Acesso a novos mercados
Ao estreitar parcerias estratégicas com startups, as corporações têm o fator positivo de, caso queiram, acessar novos mercados. Além disso, também podem se beneficiar se aproximando de segmentos de clientes que, de outra forma, seriam inexplorados.
Outra potencial vantagem é de, por meio de parcerias desse tipo, observar possibilidades de desenvolver avenidas de crescimento relacionadas ou não ao core business principal. É o que acontece com a Ambev ao apostar no Zé Delivery e que até hoje rende grandes frutos.
Em 2021, por exemplo, o serviço de entrega de bebidas da Ambev passou a atender 300 cidades, realizando 61 milhões de pedidos. Até o início de 2022, estimava-se que a base de usuários ativos do serviço era de 4 milhões, conforme divulgou a Bloomberg Línea.
Atraindo startups por meio do scouting
Contudo, para que a prática de scouting seja uma realidade, é preciso que a corporação esteja disposta a estabelecer uma presença preferencialmente ativa no ecossistema de startups. De que forma? Por meio da participação de eventos, conferências e programas de aceleração.
Assim, acredita-se que seja mais fácil e menos problemático construir relacionamentos com startups e empreendedores. Mas, desde que antes a corporação tenha feito dever de casa de entender sua estratégia e de quais potenciais startups poderiam agregar valor ao seu core business.
Outra maneira eficaz de tornar o scouting uma realidade no seu negócio é criar programas de incubação e de aceleração. No entanto, vale manter em mente que, nesse caso, a corporação precisa estar disposta e fornecer suporte financeiro, mentorias e acesso a recursos.
Como mencionado anteriormente, a corporação precisa levar em conta a necessidade de fomentar uma cultura de inovação aberta. Assim sendo, ela deve incentivar a colaboração e o compartilhamento de ideias primeiramente dentro da cultura organizacional para, em seguida, buscar fora.
Ainda citando o caso da Ambev, foi o que aconteceu nesse exemplo: o aplicativo Zé Delivery foi criado dentro de casa, a partir do investimento em pesquisa para entender os comportamentos e dores atuais dos seus consumidores.
Investimentos e parcerias
Investir em fundos de Venture Capital é outra via relevante para que a corporação possa obter exposição a um pipeline contínuo de inovação. Ao estabelecer conexões com outros fundos e organizações dispostas a injetar recursos financeiros em startups, trocam-se mais que “figurinhas”, mas informações e possíveis alianças.
Aliás, a facilitação de parcerias estratégicas também é fundamental nesse cenário. Ao oferecer sua expertise e acesso a novos mercados, as corporações podem pleitear uma “moeda de troca” paga em forma de inovação e diferenciação competitiva, proporcionada pelas startups.
A prática de scouting é um mecanismo interessante para que as corporações reduzam riscos e custos ao buscar por inovação. (Fonte: Getty Images/Reprodução)
Cultura empreendedora de startups fomenta a inovação nas corporações
No geral, as startups têm uma cultura empreendedora forte, caracterizada pela criatividade, experimentação e disposição para correr riscos. Assim sendo, ao se envolver com startups, as grandes corporações podem se beneficiar injetando essa mentalidade empreendedora em sua própria cultura organizacional.
Outro fator que contribui para que as startups naturalmente possam ser uma fonte interessante de inovação é sua postura quanto ao modelo de negócio. Elas frequentemente desenvolvem modelos considerados inovadores, desafiando as práticas tradicionais da indústria.
Desse modo, ao estabelecer parcerias com startups, as corporações conseguem incentivar a inovação e o pensamento “fora da caixa” entre os seus funcionários. O que, consequentemente, pode induzi-los a se sentirem confortáveis para proporem ou participarem de iniciativas que visem a inovação interna.
Outro ponto destacado anteriormente é o fato de que os empreendedores à frente das startups muitas vezes têm uma compreensão de mercados de nicho e segmentos de clientes específicos. Esse valor agregado que os negócios nascentes podem gerar nas conexões estabelecidas com as corporações pode ser de grande valia para elas.
Por outro lado, ao colaborar com startups, as corporações que, via de regra, já estão consolidadas em seus mercados, podem acessar novos segmentos.
Consequentemente, as grandes organizações estarão mais próximas de uma parcela de clientes que, até então, não eram vislumbrados e que passarão a consumir seus produtos e serviços. Ou seja, o investimento feito em startups em alguma medida possivelmente terá um retorno.
Em resumo, as startups contribuem para a inovação das corporações a partir do incremento de tecnologias disruptivas, agilidade organizacional, cultura empreendedora, acesso a novos mercados e modelos de negócio inovadores. Dessa forma, as organizações consolidadas podem — pela via do scouting — fortalecer sua posição no mercado, impulsionar a inovação e garantir sua relevância a longo prazo.
E para facilitar o “caminho das pedras” na busca por conexões com startups talentosas, vale conferir de perto as iniciativas promovidas pelo Cubo Itaú. O hub de inovação com uma comunidade de mais de 500 startups curadas e centenas de corporações em busca de inovação.
Referências:
CNN Brasil, MIT Sloan Management Review Brasil, Bloomberg Línea.